Aguardávamos ansiosos na ante-sala da cirurgia. Eu, trajando uma roupa esquisitíssima, que me deixava com a aparência de um Rapper americano (exceto pelo detalhe de a roupa ser unicolor – um azul surrado pelo excesso de vezes que fora lavado) e uma touca a La gourmet – que me emprestava à aparência de um Mestre de cozinha de uma espelunca qualquer. Ela, usando um vestido da mesma tonalidade frágil, que detalhava a ansiedade saliente na região abdominal.
Era uma menina. Sim, disso nós já sabíamos, porém, o que ainda não sabíamos era como ela seria. E, naquele dia, naquela manhã do dia 1º de fevereiro de 2011, a inquietude era tão palpável naquela pequena sala de espera, que, pra acalmar meus ânimos, fiquei de pé o tempo todo. Na verdade, o tempo todo fiquei a dançar e imitar um Rapper americano, tentando com isso desviar o FOCO e amasiar o possível medo que minha esposa estava sentindo.
O semblante dela, acomodada em uma cadeira almofadada, não refletia nenhuma expressão amedrontável. Porém, eu sabia que no fundo daqueles olhos castanhos morava um receio e uma ânsia inigualáveis. Ela ficava a rir das minhas “danças” e besteiras como que a colaborar comigo na intenção de desviar a atenção do que estava prestes a acontecer de fato, embora relutante ela mandasse eu tomar modos.
Lembro de ter pensado em coisas tristes. Coisas que uma pessoa inexperiente e tomada por um oceano de emoções pensa. Lembro de ter imaginado se seria a última vez que eu veria aquele sorriso fácil, solto e apaixonante se estender nos lábios dela. Lembro de tentar guardar na memória aquele riso, como quem pendura um quadro na sala de estar. Pra que se um dia, se eu tivesse que falar dela, eu pudesse entrar nessa sala e avistar o seu sorriso na parede de uma forma viva e preservada.
Lembro de tentar afastar esses pensamentos indesejáveis imaginando coisas boas no lugar de ruins. Mentalizei por diversas vezes, eu e ela, felizes e confortáveis, com a nossa pequena filha no colo a desfrutar da vida. Lembro de prometer a mim mesmo que nunca diria a Ela que um dia tive um medo grande de perdê-la para sempre. Medo esse, fortificado pela difícil posição fetal que se encontrava nossa filha na sua barriga.
Quando a enfermeira adentrou a sala em que estávamos trouxe-nos uma pitada de nervosismo, porém, também, levou com ela meus pensamentos ruins. Ela chamou pela minha esposa e a levou até outra sala. Não pude acompanhar. Não pude ver o que estava acontecendo. Confesso que fiquei um pouco aflito. A mesma enfermeira pediu que eu aguardasse até o momento do inicio da cirurgia. Fiquei a perambular pelos corredores da maternidade como que a procurar por calma. Minhas pernas tremiam, e eu tentava despistar minha impaciência lendo informações cirúrgicas fixadas nos murais dos corredores.
Enquanto esperava, lembro de ter presenciado – isso por que a porta da sala de cirurgia estava entreaberta – outro parto. Porém, neste recinto, reparei que alguma coisa não estava indo bem. Havia muita agitação ao redor da maca. Pensamentos ruins afloraram em minha cabeça novamente. A porta da sala cirúrgica foi fechada. De dentro dela saiu um enfermeiro com pressa. Ele carregava nos braços um embrulho pequeno e, na face, um olhar desesperado de quem luta pela vida.
Nessa hora, fui convidado a entrar na sala onde nasceria minha filha como quem é acordado de um pesadelo. Ao presenciar minha esposa deitada sobre a cama de cirurgia, não consegui mais pensar em nada e, por um momento, esqueci completamente do que acabara de presenciar.
Quando me aproximei da maca e vi minha esposa sorrimos um ao outro. Ela estava linda ali deitada. Uma beleza sem igual de quem vai ser mãe pela primeira vez. Aquele sorriso no semblante com um ar emocionado nos olhos eu jamais vou esquecer.
Perguntei-lhe se estava calma, e ela respondeu que “sim” (um SIM querendo dizer NÃO), e que “não sentia nada da cintura pra baixo”. Era uma cesariana, e a anestesia lhe roubara a sensação, no entanto, não lhe tirara o brilho do olhar. Existe uma magia celestial que envolve a hora de um parto que a expressão “dar a luz” faz muito sentido. Talvez, exista essa mesma magia no nascimento de uma estrela, ou, quem sabe, nos raios do sol a despontar no horizonte anunciando a chegada de um novo dia.
Fiquei ao seu lado o tempo todo. O tempo todo tentando lhe trazer calma. Calma, que eu mesmo não tinha. Mas, em se tratando de situações “extremas” o ser humano é capaz de fingir por amor. E eu fingi estar calmo. Fingi por que não queria lhe transmitir mais ansiedade do que, acredito, ela já estava sentindo. E, não “demonstrar calma” diante dela pudesse lhe trazer medo também. E eu a queria concentrada e relaxada para que tudo corresse normalmente. E correu, graças a Deus.
Enquanto conversávamos, tentando distrair a cirurgia, minha cabeça ficava a imaginar qual seria a minha reação à hora em que minha filha nascesse. Não sabia se eu gritaria de emoção, se desmaiaria, se choraria, não sabia. Na verdade eu ainda não fazia idéia do que iria sentir. Não fazia idéia da dimensão da emoção que eu estava prestes a experimentar.
A cirurgia em si, não demorou muito. Lembro que, desde à hora em que eu fora convidado a adentrar a sala até a hora do nascimento da ANA CLARA, passaram-se mais ou menos uns 30 minutos. Porém, é preciso levar-se em consideração que eu estava absorto em expectativa, e isso pode ter alterado a minha percepção tanto pra mais quanto pra menos. Enfim, tanto faz esse detalhe agora. Na verdade, a duração do parto da Clara não é tão relevante hoje, mas naquele dia, naquela sala, eu não via à hora de tudo aquilo acabar. E, foi mais ou menos no minuto 29’ (isso se realmente a cirurgia levara 30 minutos) que, pela primeira vez em toda a minha vida, meu coração palpitou diferente. Não sei dizer qual reação interna no meu corpo expandiu minha percepção auditiva para captar com tamanha nitidez aquele chorinho indefeso. Sei que, desde que eu o escutei, não quis de maneira nenhuma desperdiçá-lo. Foi a primeira vez que eu ouvira a sua voz, a sua doce vozinha: um sonzinho de aurora, de uma frágil aurora a crepitar na dimensão da vida.
Eu ainda não a havia visto, apenas escutado o “tilintar da vida” irromper nos seus pulmõezinhos e forçá-la delicadamente a destoar a sua voz. Uma lembrança auditiva que tenho na memória em formato de caixinha de música. A memória sonora mais bela do que qualquer canção que eu já tenha ouvido em toda a minha vida. Era a ANA CLARA, a minha filha, sangue do meu sangue, chorando pela primeira vez na vida.
Esse momento, esse bálsamo sonoro para os meus ouvidos, obrigou-me naturalmente a querer compartilhar do seu chorinho de criança com um choro adulto. Um choro de felicidade plena. De saber que a vida é realmente uma dádiva divina. De saber que Deus estava por perto.
O médico ergueu-a pelos pezinhos em direção aos céus e, meus olhos sentiram como o tato aquela cena. Uma imagem tão palpável que era como se eu tivesse braços na visão. Tudo o que eu queria era segurar-lhe. Segurar aquela pequenina menina, aquele anjo puro e frágil cantarolando o seu choro de chegada. Minha esposa, deitada na maca, emocionou-se com a minha emoção, como quem assisti a um filme perfeito aos olhos de outra pessoa.
Nossa filha havia nascido. Toda a expectativa de 9 meses de gestação, todos os palpites de como ela seria, todas as promessas para quando ela nascesse, todo o nosso amor declarado por ela ainda no ventre, estava ali. Estava tudo ali reluzindo naqueles olhinhos de criança. Dali em diante, nossas vidas não seriam mais as mesmas e, nós sabíamos disso felizes.
O Doutor embrulhou-a delicadamente em um pano e a estendeu às mãos de um enfermeiro. Minhas mãos trêmulas traziam felicidade em cada ponta de dedo na ânsia de tê-la nos braços, e somente essa vontade já fazia de mim uma pessoa diferente. Eu não pude segurá-la no primeiro momento (regras da casa), mas o enfermeiro a aproximou de mim. Beijei-a de leve no rosto como quem dedica à vida todo o meu afeto, e aquela sensação de tê-la pertinho de mim, os olhinhos abertos a espreitar receosa o mundo, trouxe- Paz. Paz de quem reconhece na vida o valor que ela tem, de quem vislumbra a alegria em viver. De quem passou a acreditar no amor a primeira vista e, de quem passou a viver o “amar pela eternidade”.
O enfermeiro aproximou nossa filha ao rosto de minha esposa, e ela, quase muda pela emoção beijou-a na fronte. Um beijo de mãe, tão forte e poderoso, tão meigo e sutil, tão genuíno e bondoso que minha filha se aquietou. Aquele cheiro de amor no ar acalmou a Ana Clara. Os anjos que estavam ao seu redor devem ter lhe dito: - Esses dois ali são seu Pai e sua mãe minha criança! E naquele instante, eu, beijando a face de minha esposa, tendo a Ana Clara próxima a nós, formava a família que somos hoje.
Parabéns minha filha pelo seu 1º aniversário. Que Deus lhe dê muitos outros anos de vida, e que nossa família possa perdurar feliz e cheia de amor até o fim dos nossos dias.