Era noite e chovia bastante. Havia feito um dia bem quente, e a chuva era típica de verão, porém, em pleno outono. O barulho dos pingos da chuva em contato com o telhado da nossa casa, reproduzia exatamente a tonalidade da sua força: praticamente um temporal.
Eu estava na sala matando tempo com o celular entre as mãos torcendo para a chuva diminuir, ao menos, já que a sua intensidade tirara do ar o sinal da Tv a cabo e somente se houvesse uma trégua entre o céu e a terra poderia voltar a assistir o costumeiro futebol das quintas-feiras. Minha mulher tinha ido se deitar assim que o sinal da Tv fora interrompido. Eu, mais insone e perseverante, resolvi esperar. Passados alguns minutos e minha esposa voltou do quarto se queixando de não conseguir dormir. Sentou-se ao meu lado, parecia ansiosa, demorou-se algum tempo e voltou ao quarto no intuito de, segundo ela, tentar pegar no sono. De repente, ouço um leve bater na porta. Três toques suaves e o silêncio de uma resposta. Levantei do sofá, e meio incrédulo ainda de ter ouvido os toques, visto que a chuva lá fora era digna de medo, no mínimo, indaguei:
- Quem é?
Não obtive resposta, e como de costume ignorei os batidos, dessa vez imaginando que eu pudesse ter assossiado o tilintar da chuva nas telhas com o som de toques na porta. Voltei a sentar no sofá. Então ouvi:
- Fabi! Ô Fabi?
Sim. Havia alguém na porta, e chamava pela minha esposa. Na hora nem me passou pela cabeça quem fosse, no entanto sabia ser conhecido, e abri a porta resmungando algo como:
- Pô, perdeu a língua que não respondeu quem era quando perguntei?
Só que, com a porta já aberta, olhei e não vi ninguém. Minha mulher, que estava no quarto, ao ouvir minha interação com alguém a porta, levantou da cama e veio ver de quem se tratava. Foi então que, como num passe de mágica, surgiu da parede do lado de fora da casa, o meu cunhado. Irmão de minha esposa. Rosto e roupas enxarcadas. O brilho no olhar de minha esposa resplandeceu de compaixão ao ver o irmão naquela situação:
- Tava pensando em você agora mesmo! Disse ela.
Também fiquei penalizado em vê-lo naquele estado. Ele me olhou, cumprimentou, e respondeu que não havia ouvido a minha indagação à porta em resposta aos seus batidos. Pediu desculpas, e como não havia muito que desculpá-lo, tratei de deixá-los a sós voltando a me sentar no sofá da sala. Eles conversaram um pouco. Riram carinhosos um com o outro. Demoraram-se alguns poucos minutos e depois se despediram.
Ele viera pedir o carro emprestado para ir embora, alegando também que precisava levar sua filha ao médico no dia seguinte.
Após a sua saída, minha mulher voltou a sala. Sentou ao meu lado. Respirou de um jeito estranho, transparecendo algo diferente. Deu-me boa noite mais uma vez e saiu. Porém, ausentou-se de uma maneira tão estranha, tão repleta de mistério, que logo que saiu me senti tentado a ir atrás. Segui-a. Quando cheguei no quarto, ao vê-la deitada de bruços tapada com edredon na altura dos ombros, deitei-me por sobre ela beijando-lhe o pescoço e o rosto. Ouvi da sua parte um cafungar de nariz em corisa, típico de quem está resfriado, ou quem chora. Ela não estava resfriada, restava-lhe o choro. Assustado, perguntei-lhe:
- Por que está chorando? Sua resposta foi tapar os olhos com uma toalha de rosto. Insisti:
- Por que está chorando amor? Novamente sua resposta foi o silêncio.
Meio sem entender nada, e atônito com a situação indaguei:
- Foi alguma coisa que eu fiz? Ela balançou a cabeça negativamente num gesto meio a contragosto.
- Alguma coisa que eu disse? Negou novamente.
- É comigo? Inqueri buscando alguma informação sobre seu pranto.
- Não, não é com você! Respondeu ela, a voz imersa em uma tristeza profunda, nostálgica, saudosa.
- Então o que é? Interpelei cheio de dúvidas. A sensação de ter cometido uma falta despercebida.
Porém, o silêncio ressoou no ar mais uma vez, como se isso fosse tudo o que ela era capaz de responder.
Decidi não pressioná-la. Levantei da cama, fui até a sala, desliguei a Tv, entrei no banheiro, escovei os dentes e retornei ao quarto. Deitei na cama, ajeitei o travesseiro para dormir. Antes porém, virei-me para ela e perguntei mais uma vez:
Dessa vez usando um tom suave de voz, quase que um sussurro. Ela, um pouco mais recomposta das lágrimas, enxugou os olhos mais uma vez e respondeu:
- Sabe o que é? É que eu não estava conseguindo dormir por que estava preocupada com meu irmão. Sabia que ele tomaria chuva quando saísse do serviço, e me preocupei com isso.
Achei o choro desnecessário, porém, de um gesto fraternalmente bonito.
Ela continuou:- Foi então que pedi: PAI, de onde você estiver não deixe que o mano se molhe muito!
Nessa hora meus olhos encheram de lágrimas. Tudo fez sentido pra mim.
O irmão dela ao bater na nossa porta aquela hora da noite havia sido um sinal.
Um sinal de que o pai dela, meu sogro, falecido a mais ou menos 4 anos, escutou-a e atendeu o seu pedido!
Nenhum comentário:
Postar um comentário